domingo, 6 de setembro de 2009

A Propaganda Política no Século XX

Essa semana descobri o execelente livro do escritor francês Jean Marie Domenach entitulado "La Propagande Politique", se não compreenderem o título uma rápida googlada resolverá seus problemas. O livro trata das maneiras e dos porquês da propaganda ser utilizada na política mundial, de maneira lúcida e bem embasada.
Por falta de capacidade de tratar do assunto tão bem quanto o autor e até mesmo para aguçar a curiosidade de alguns, vou transcrever aqui a introdução do livro. É um pouco longa para um blog mas realmente vale a pena!
Saudações!
"Um dos fenômenos dominantes da primeira metade do século XX é a propaganda política. Sem ela, os grandes acontecimentos da nossa época: a revolução comunista e o fascismo, não seriam sequer concebíveis. Foi em grande parte devido a ela que Lenin logrou instaurar o bolchevismo; Hitler deve-lhe essencialmente suas vitórias, desde a tomada do poder até a invasão de 1940. Mais que estadistas e líderes guerreiros, esses dois homens, que de maneira, sem dúvida, bem diferente vincaram profundamente a história contemporânea, são dois gênios da propaganda e ambos proclamaram a supremacia dessa moderna arma: “O principal — asseverou Lenin — é a agitação e a propaganda em todas as camadas do povo”; Hitler disse: “A propaganda permitiu-nos conservar o poder, a propaganda nos possibilitará a conquista do mundo”.
Alfred Sauvy, no livro Le Pouvoir et l’Opinion, assinala com justeza que em nenhum Estado moderno o regime fascista caiu sem intervenção externa, o que, na sua opinião, constitui prova da força da propaganda política. Dir-se-á tratar-se sobretudo de um efeito do controle policial. Contudo, a propaganda precedia a polícia ou exército e lhes facilitava a ação; a polícia alemã não podia grande coisa fora das fronteiras da Alemanha; representam, de início, vitórias da propaganda, a anexação sem combate da Áustria e da Tcheco-Eslováquia, bem como a derrocada da estrutura militar e política da França. A propaganda política, incontestavelmente, ocupa o primeiro lugar, antes da polícia, na hierarquia dos poderes do totalitarismo moderno.
No decurso da Segunda Guerra Mundial, a propaganda acompanhou sempre e, algumas vezes, precedeu os exércitos. Na Espanha, as brigadas internacionais dispunham de comissários políticos. A Wermacht tinha, na Rússia, “companhias de propaganda”. Se a Resistência francesa não houvesse compreendido obscuramente a importância vital do esforço para imprimir e difundir folhetos e volantes de conteúdo freqüentemente diminuto, jamais teria sacrificado milhares de homens e dos melhores. Sem embargo do armistício, a propaganda não cessou. Ela fez mais para a conversão da China ao comunismo do que as divisões de Mao-Tsé-Tung. Rádio, jornal, filme, folhetos, discursos e cartazes opõem as idéias umas às outras, refletem os fatos e disputam entre si os homens. Quão significativa de nossa época é a história dos prisioneiros japoneses devolvidos pela URSS em 1949. Convertidos ao comunismo após uma temporada nos campos de “educação política”, foram aguardados, na volta; por zeladores de outra doutrina, Bíblia em mãos, a fim de submetê-los à “reeducação democrática”.
Desde que existem competições políticas, isto é, desde o início do mundo, a propaganda existe e desempenha seu papel. Foram, por certo, uma espécie de campanha de propaganda, aquelas movidas por Demóstenes contra Filipe ou por Cícero contra Catilina. Assaz consciente dos processos que tornam amados os chefes e divinizam os grandes homens, Napoleão compreendeu perfeitamente que um Governo deve preocupar-se sobretudo em obter o assentimento da opinião pública: “Para ser justo, não é suficiente fazer o bem, é igualmente necessário que os administrados estejam convencidos. A força fundamenta-se na opinião. Que é o Governo? Nada, se não dispuser da opinião pública”.
Políticos, estadistas e ditadores, de todos os tempos, procuraram estimular o apego às suas pessoas e aos seus sistemas de governo. Todavia, não há nada de comum entre as arengas da Ágora e as de Nuremberg, entre os grafitos eleitorais de Pompéia e uma campanha de propaganda moderna. A separação situa-se mais perto de nós. A lenda napoleônica, tão poderosa a ponto de, quarenta anos depois, elevar ao poder um novo Napoleão, não se compara ao mito que envolve os chefes modernos. A propaganda do General Boulanger apresenta, ainda, as feições de outrora: cavalo preto, cançonetas, imagens de Epinal... Trinta anos passados, as formidáveis vagas da propaganda teriam à sua disposição o rádio, a fotografia, o cinema, a imprensa de grande tiragem, os cartazes gigantescos e todos os novos processos de reprodução gráfica. Nova técnica, que usa meios subministrados pela ciência, a fim de convencer e dirigir as massas constituídas no mesmo momento, técnica de conjunto, coerente e que pode ser, até certo ponto, sistematizada — sucede ao conjunto dos meios empregados em todos os tempos pelos políticos para o triunfo de suas causas e ligado à eloqüência, à poesia, à música, à escultura, às formas tradicionais das belas-artes, em suma. A palavra que a designa é, ela também, contemporânea do fenômeno: propaganda é um dos termos que destacamos arbitrariamente das fórmulas do latim pontifical; empregada pela Igreja ao tempo da Contra-Reforma (de propaganda fide), é mais ou menos reservada ao vocabulário eclesiástico (“Colégio da Propaganda”) até irromper na língua comum, no curso do século XVIII. Mas a palavra guarda sua ressonância religiosa, que não perderá definitivamente senão no século XX. Agora, as possíveis definições estão muito longe desse primeiro sentido apostólico: “A propaganda é uma tentativa de influenciar a opinião e a conduta da sociedade, de tal modo que as pessoas adotem uma opinião e uma conduta determinada”
(1) ou ainda: “A propaganda é a linguagem destinada à massa; ela emprega palavras ou outros símbolos veiculados pelo rádio, pela imprensa e pelo cinema. O escopo do propagandista é o de influir na atitude das massas no tocante a pontos submetidos ao impacto da propaganda, objetos da opinião(2)”.
A propaganda confunde-se com a publicidade nisto: procura criar, transformar certas opiniões, empregando, em parte, meios que lhe pede emprestados; distingue-se dela, contudo, por não visar objetos comerciais e, sim, políticos: a publicidade suscita necessidades ou preferências visando a determinado produto particular, enquanto a propaganda sugere ou impõe crenças e reflexos que, amiúde, modificam o comportamento, o psiquismo e mesmo as convicções religiosas ou filosóficas. Por conseguinte, a propaganda influencia a atitude fundamental do ser humano. Sob esse aspecto, aproxima-se da educação; todavia, as técnicas por ela empregadas habitualmente, e sobretudo o desígnio de convencer e de subjugar sem amoldar, fazem dela a antítese.
Entretanto, a propaganda política não é uma ciência condensável em fórmulas. Movimenta, inicialmente mecanismos fisiológicos, psíquicos e inconscientes bastante complexos, alguns dos quais mal conhecidos; ademais, seus princípios provêm tanto da estética como da ciência: conselhos da experiência, indicações gerais à maneira das quais sobeja inventar; caso faltem as idéias, escasseie o talento ou o público, não há mais propaganda que literatura. A psicagogia, isto é, a direção da alma coletiva, deve muita coisa às ciências modernas; pode tornar-se uma ciência? Aí fica a pergunta. Nossa tentativa, portanto, não é de codificá-la, mesmo no estado atual. Acreditamos — esperamos — que ela não permanecerá encadeada às regras funcionais que lhe reconhecemos."

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